Quando um grande escândalo estoura em uma empresa, a gestão de crise cuida para tomar medidas corretivas que não afastem stakeholders ou que traga-os de volta. Escândalo sexual? Demissão e pedido de desculpas. Corrupção? Demissão e auditoria. Racismo? Intolerância? Agressão? Fired!
O timing também é importante. A cada segundo sem uma batida
de martelo o mercado pressiona e as ações caem. Bom, sobre o assunto de hoje
não foi assim.
No início de 2024, Christian Horner (CEO da equipe de
Fórmula 1 da Red Bull) foi acusado de conduta sexual imprópria por uma
funcionária. Isso caiu como uma bomba no paddock, pois Horner não era qualquer pessoa
e o crime (se confirmado) também não era qualquer coisa.
A Red Bull logo se posicionou, contratando uma auditoria
independente para investigar o caso.
Antes de continuarmos, uma pausa para analisarmos o
contexto. A Red Bull vinha de três títulos de construtores e de piloto, consecutivos.
E Lewis Hamilton, rival do holandês Max Verstappen (da Red Bull) desde 2021,
estava há dois anos sem vencer uma corrida. Christian Horner, naquele
momento, colhia os frutos de seu trabalho exemplar ao longo dos últimos 19 anos
(ele lidera a equipe desde a primeira temporada, em 2005, tendo faturado seis
títulos de construtores até então).
Mesmo após a morte de Dietrich Mateschitz (fundador da marca
Red Bull) em 2022, o desempenho da equipe estava impecável nas pistas.
Verstappen faturaria seu bicampeonato naquele ano e, no ano seguinte, o tri. O
mesmo para a Red Bull e o campeonato de construtores. O que poderia dar errado
em 2024?
Um escândalo sexual do CEO.
Segundo
o ge com informações do jornal holandês De Telegraaf, os advogados de
Horner teriam oferecido um acordo de 650 mil libras esterlinas à
ex-funcionária, que negou. Essa tentativa de acordo levanta suspeitas.
“Justo agora que a brincadeira estava ficando legal?” Pois
é, Red Bull. Melhor lidar com isso logo, antes que 2024 seja arruinado. E a
empresa lidou com pouquíssima transparência, a ponto de a Ford (que será a
fornecedora de motor da equipe em 2026) manifestar
insatisfação nesse sentido.
“Estamos frustrados com a falta de transparência total em
relação a esse assunto conosco, seus parceiros corporativos, e esperamos
receber um relato completo de todas as descobertas”, diz um trecho de uma carta
do CEO Jim Farley.
Isso era o mercado pressionando, como eu mencionei no começo
deste texto. Bom, a Red Bull agiu:
Horner é inocentado e segue na Red Bull após
investigação por conduta imprópria | fórmula 1 | ge
Este veredito foi
tomado com menos de um mês de investigação. Um período curto, talvez? Mas se o
processo foi justo, está tudo bem.
Foi justo sim.
"Justo, rigoroso e imparcial", conforme dito pela... própria Red
Bull. Algo conveniente de se dizer quando se está no lado favorável de uma
conclusão, pelo menos a meu ver.
O que não foi só
“a meu ver” foi um e-mail anônimo enviado no dia seguinte ao veredito
para mais de 100 pessoas influentes na Fórmula 1. Segundo o portal Terra, o e-mail carregava um link de Google Drive
com a mensagem “Após a recente investigação e declarações da Red Bull, você
terá interesse em ver os materiais anexados”.
Mais uma bomba no
paddock. Mas dessa vez era de festim, pois ainda não há como comprovar a
autenticidade do conteúdo daquele Drive — e, convenhamos, ter sido enviado por
uma fonte anônima descredibiliza qualquer tentativa.
A ex-funcionária
foi suspensa e depois demitida. Bom para a Red Bull e Horner, que só precisavam
esperar a poeira baixar antes do campeonato começar, em março.
Com o caminho
livre nos bastidores e nas pistas, o resultado foi óbvio: Max Verstappen
tetracampeão mundial — e mais um título de construtores para a Red Bull.
Mas ninguém
percebeu que, apesar disso, a Red Bull tinha perdido suas asas.
A espiral negativa
Em junho de 2024, Horner renovou com o mexicano Sergio Pérez,
companheiro de Max Verstappen, até 2026. O desempenho de Pérez, no entanto, despencou.
No momento da renovação, ele ocupava a quinta colocação com 107 pontos —
somente 62 a menos que seu companheiro —, mas encerrou o campeonato em oitavo, conquistando
apenas mais 45 pontos. No mesmo período, Max faturou 268 pontos.
Isso levou Horner a demitir Pérez. Em seu lugar, contratou Liam
Lawson para a temporada 2025. Porém, duas corridas depois, Horner
demitiu o piloto pelo mesmo motivo: desempenho. No lugar deste, colocou o Yuki
Tsunoda... que também está sofrendo para ficar na zona de pontuação (e já
amargou duas últimas colocações e uma penúltima).
O problema não era Pérez, era o carro. Ninguém percebeu isso
— além do mexicano, é claro, que não foi ouvido — devido à genialidade de
Verstappen ano passado. Mas este ano, nem mesmo o holandês está conseguindo
carregar a equipe nas costas.
Publico este
texto no intervalo entre os GPs de Silverstone (Inglaterra) e SPA (Bélgica).
Atualmente, Oscar Piastri e Lando Norris, ambos da McLaren, lideram o
campeonato. Max está em terceiro. E no campeonato de construtores, a Red Bull
ocupa a quarta colocação, atrás de McLaren, Ferrari e Mercedes. Nos últimos 4
GPs, Nico Hulkenberg (que em 239 corridas na F1 nunca, sequer, tinha subido ao
pódio) marcou mais pontos que Verstappen!
Se o problema não
era Pérez, não era Lawson e nem Verstappen está conseguindo tankar como
fez em 2024, onde a Red Bull precisaria mexer? Na liderança.
Todos os veículos
mencionaram que o motivo da demissão de Christian Horner não foi só a queda de
desempenho, mas o péssimo clima que se instalou na garagem da Red Bull depois
do escândalo sexual de Horner. Ainda no ano passado, dois grandes nomes da
empresa, que agora não me recordo o nome, abandonaram o barco e rumaram para a
McLaren e para a Sauber, respectivamente. O próprio Verstappen estava
desgostoso com a situação (tanto que surgiram rumores de sua transferência para
a Mercedes).
Mas o título veio
no ano passado, né? Então está tudo bem. Agora, que repetir o triunfo é missão
quase impossível, voltou-se a falar sobre o escândalo sexual. E Christian
Horner foi demitido.
Se foi por causa
daquele episódio, eu não sei. Mas de que o peso daquilo aumentou eu não tenho
dúvida.
O que eu leio: um
escândalo sexual não é um problema se sua investigação for tendenciosa, parcial,
sem transparência e taxativa. Só será um problema se o time parar de ganhar.